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Maedra

As Cartas da Avó Lola

Atualizado: 17 de ago. de 2023

Os Primeiros Dias no Lar...



Paola – Estás aí há 4 dias! 4 Dias Lola, e já tens saudades?

Caramba mulher, aproveita para descansar e não fazer nenhum! Estou ainda no pico do mundo :)) Assim que chegar vou ver-te, mimar-te e chingar-te com o Nuno. :)) Estou com o grupo do costume e as paisagens são magníficas. Só a Natureza me deixa estarrecida e sem abrir boca.

Fica bem e vai-me contando. Uma semana e estou aí!


Lola – Pois, 4 dias exactamente. Ou seja, entrei 5ªf passada. E nem imaginas a diferença de 5ª e 6ªf para Sábado e Domingo.

Então foi assim:

5ªf – Reunião comigo e com os meus filhos assim que cheguei. Chamam-lhe reunião de acolhimento – acolheram-me numa reunião formal com a Assistente Social, o Psicólogo e a Enfermeira.

Durante a reunião as perguntas eram colocadas á minha filha Ana ou ao meu filho Pedro. Eu, parecia invisível!

Deixei-os esticarem-se por alguns minutos e interrompi a conversa, evidentemente! Expliquei-lhes que apenas tinha os cabelos brancos, por opção, porque gosto, acho giro :)) Expliquei que só tinha as pernas partidas, mas conseguia falar, pensar e sentir. Expliquei-lhes ainda que como sabiam, tinha tido uma pequena infecção e como não ingeri água suficiente, fiquei num estado confusional, com alguns sintomas parecidos a uma demência e por isso, muitas vezes, confundido como tal.

E foi isso que a minha família pensou – que eu estava num estado demencial. Imagina que de repente comecei a não dizer coisa com coisa.

Foi também isso que os técnicos validaram quando foram lá a casa perguntar se eu queria vir para o lar.

Mas, voilá! Cá estou eu fresca que nem uma alface da cintura para cima e gelada da cintura para baixo!

Bom, as perguntas tinham que me ser dirigidas a mim e não aos meus filhos. Eles não sabem o que sinto, nem o que penso, nem a intensidade ou o tipo de dor que tenho. Não sabem do que tenho medo, nem de todos os meus sonhos e desejos. Também não sabem da minha vida nem antes de eles nascerem, nem depois, pelo menos enquanto crianças, adolescentes e até jovens!

Já reparaste que os miúdos reparam pouco em nós? E que nós também não lhes contamos muito de nós? Uns não perguntam, outros não contam…

No fim da reunião de acolhimento, não me senti muito acolhida. Ninguém se sente acolhida, quando a desrespeitam, mesmo sem intenção e às vezes até por deformação profissional, acredito, sem intenção, mas por falta de atenção

Mas pelo facto de possivelmente se trabalhar com uma percentagem significativa de pessoas seniores com handicaps físicos e mentais, não quer dizer que todos sejamos assim.

Parece-me que se trabalha pouco a autonomia e a independência e quando o fazem não é da melhor maneira. Há alguma confusão entre trabalhar a autonomia e o não ter tempo, pessoal e disponibilidade para o fazer. Portanto, desenrasquem-se! E assim se vai trabalhando a autonomia de forma forçada que resulta evidentemente em frustração e mágoa.

Há neste tipo de estabelecimentos muita dependência física e mental. E trabalha-se a dependência, perpetua-se, acredito que mesmo contra a vontade de técnicos, que me parecem terem pouquíssimo poder nestas instituições dirigidas por voluntários sem qualquer tipo de conhecimento nestas áreas.

E imagina tu que pelo que tenho observado perpetua-se a não autonomia por questões de gestão económica, ou antes, por questões de desconhecimento de gestão e, parece-me a mim, também por alguma arrogância espiritual. Mais tarde explico-te.

Tenho-me apercebido que as questões económicas lideram as problemáticas destes equipamentos particulares de solidariedade social.

Os técnicos entram rapidamente neste ciclo aparentemente sem saída e viciam-se neste ciclo do não há dinheiro, não se pode fazer, não se pode pedir, e como consequência há um esquecimento e uma não priorização daquilo que verdadeiramente importa e que se aprendeu na área da intervenção social ou em outras áreas como sejam a animação, a psicologia, a medicina …

Bom, deixa-me dizer-te que apesar de ter uma ideia do trabalho dos meus colegas, não tinha a noção das dificuldades com que se debatem. Trabalhar em Desenvolvimento Comunitário, é de facto, Outra Onda! :))

Comecei, na primeira carta por te dizer que tinha saudades, e continuo a ter, agora também das minhas netas e de brincar com elas, mas esta minha permanência em Lar tem sido fantástica! Parece que voltei à faculdade. Nem imaginas o que tenho aprendido.

É que viver a situação, de alguma forma, é completamente diferente de apenas a saber!

E por aí? Podes continuar de boca fechada, a admirar o que de melhor a natureza nos dá, mas se fazes favor, mexe os dedos e escreve-me sobre as tuas viagens e sobre o que te vou contando.

Abraço para todos.


Regina Lourenço

Assistente Social - Academia de Empreendedorismo em Serviço Social

Supervisão Profissional em Serviço Social na área do Envelhecimento e Empoderamento Profissional

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